O novo CPC de 2015 trouxe o que conhecemos hoje como o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, que tem como objetivo permitir que o credor invada, mediante contraditório, os bens particulares dos sócios.
Por outro lado, há o chamado elemento que desconsidera a personalidade em reverso, ou seja, quando é o sócio que ‘esconde’ bens de sua propriedade em uma sociedade.
Nas duas possibilidades, o credor deve determinar a citação do sócio ou da sociedade (no caso da desconsideração inversa ou reversa) para que se defenda sobre tal pretensão.
Ocorre que alguns aspectos devem ser estudados com mais calma e avaliação doutrinária: a lei determina que a ‘fraude’ existiria já a partir da citação da parte que se pretende atingir.
Esse ‘marco inicial’ para a referida desconsideração da personalidade jurídica vem se mostrando uma questão relevante que tem atraído à atenção de doutrinadores e julgadores.
Vejamos.
Diz a lei, CPC, 2015:
DO INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
Art. 133. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo.
§ 1o O pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos previstos em lei.
§ 2o Aplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica.
Art. 134. O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial.
§ 1o A instauração do incidente será imediatamente comunicada ao distribuidor para as anotações devidas.
§ 2o Dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica.
§ 3o A instauração do incidente suspenderá o processo, salvo na hipótese do § 2o.
§ 4o O requerimento deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração da personalidade jurídica.
Art. 135. Instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para manifestar-se e requerer as provas cabíveis no prazo de 15 (quinze) dias.
Art. 136. Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória.
Parágrafo único. Se a decisão for proferida pelo relator, cabe agravo interno.
Art. 137. Acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou a oneração de bens, havida em fraude de execução, será ineficaz em relação ao requerente.
Assim, tais artigos devem ser lidos em conjunto com os abaixo descritos, os quais consideram o que é fraude à execução:
Art. 792. A alienação ou a oneração de bem é considerada fraude à execução:
I – quando sobre o bem pender ação fundada em direito real ou com pretensão reipersecutória, desde que a pendência do processo tenha sido averbada no respectivo registro público, se houver;
II – quando tiver sido averbada, no registro do bem, a pendência do processo de execução, na forma do art. 828;
III – quando tiver sido averbado, no registro do bem, hipoteca judiciária ou outro ato de constrição judicial originário do processo onde foi arguida a fraude;
IV – quando, ao tempo da alienação ou da oneração, tramitava contra o devedor ação capaz de reduzi-lo à insolvência;
V – nos demais casos expressos em lei.
§ 1o A alienação em fraude à execução é ineficaz em relação ao exequente.
§ 2o No caso de aquisição de bem não sujeito a registro, o terceiro adquirente tem o ônus de provar que adotou as cautelas necessárias para a aquisição, mediante a exibição das certidões pertinentes, obtidas no domicílio do vendedor e no local onde se encontra o bem.
§ 3o Nos casos de desconsideração da personalidade jurídica, a fraude à execução verifica-se a partir da citação da parte cuja personalidade se pretende desconsiderar.
§ 4o Antes de declarar a fraude à execução, o juiz deverá intimar o terceiro adquirente, que, se quiser, poderá opor embargos de terceiro, no prazo de 15 (quinze) dias.
Assim, pelo artigo 792, o marco inicial para a consideração de fraude à execução é o da citação da pessoa (física ou jurídica) que se pretende desconsiderar. Por outro lado, o artigo 137 dispõe que o marco inicial será o do acolhimento do pedido de desconsideração, ou a sua ‘procedência’, já que tem natureza de decisão interlocutória.
Ora, deve ser lida com atenção o que diz o parágrafo terceiro do artigo 792: ‘a fraude à execução verifica-se a partir da citação da parte cuja personalidade se pretende desconsiderar.’
Imaginemos o cenário: uma pessoa ajuíza uma ação contra uma empresa, em janeiro de 2016; em janeiro de 2017, já depois de uma eventual sentença, o já credor resolve citar o sócio, em incidente de desconsideração da personalidade jurídica, visando buscar seus bens pessoais.
Ocorre que o referido sócio teria alienado um bem imóvel de sua propriedade, tendo mostrado todas as certidões limpas. Outra hipótese teria sido a alienação de um bom automóvel. Pela leitura do parágrafo terceiro do artigo 792, FOI A CITAÇÃO DA EMPRESA DO SÓCIO O MARCO INICIAL PARA CONSIDERAR AS REFERIDAS ALIENAÇÕES EM FRAUDE À EXECUÇÃO.
Tal marco inicial não traz segurança jurídica alguma, já que a ‘parte que se pretende desconsiderar‘ é, exatamente, a sociedade ré inicial.
As alienações feitas pelo sócio, no caso exemplificado, mesmo sem qualquer mancha em certidões, poderia ser considerada nula, em fraude à execução, prejudicando o terceiro de boa fé.
Desta forma, deve ser de amplo debate tal parágrafo terceiro do artigo 792 do CPC de 2015, para que a doutrina e a jurisprudência venha a afirmar que tal marco seja a citação da pessoa objeto da desconsideração e não ‘da parte que se pretende desconsiderar‘.
advogado